TEXTOS FAMOSOS


VINÍCIUS DE MORAES
"AMIGOS"
Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos...

Saudades até dos momentos de lágrima, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido... Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre...

Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados...

Podemos nos telefonar... conversar algumas bobagens. Aí os dias vão passar... meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo...
Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto!!! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida!

A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos...
Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado... E nos perderemos no tempo...
Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades...

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores... mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!!!

DR. FLÁVIO GIKOVATE
"SOBRE ESTAR SOZINHO"
 “Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.

O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.
A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.

Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher; ela abandona suas características, para se amalgamar ao projeto masculino.
A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal. A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo.

Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, como o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma.
É apenas um companheiro de viagem. O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, e o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o individuo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.

A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, da dignidade a pessoa. As boas relações efetivas são ótimas, são muito parecidas com ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominações e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referencia para avaliar ninguém. Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto. Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um dialogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o individuo entende que a harmonia e a paz de espirito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.

Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Neste tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...”


CHIMAMANDA ADICHIE
Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais

sobre o que eu gosto de chamar "o perigo de uma história única".

Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria. Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Então, eu fui uma leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos. Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever, por volta dos sete anos, histórias com ilustrações em giz de cera, que minha pobre mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. (Risos da plateia) E eles falavam muito sobre o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido. (Risos da plateia), apesar do ato que eu morava na Nigéria.
Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós não tínhamos neve, nós comíamos mangas. E nós nunca falávamos sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. (Risos da plateia) E por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar cerveja de gengibre. Mas isso é outra história. A meu ver, o que isso demonstra é como nós somos impressionáveis e vulneráveis em face de uma história, principalmente quando somos crianças. Porque tudo que eu havia lido eram livros nos quais as personagens eram estrangeiras, eu convenci-me de que os livros, por sua própria natureza, tinham que ter estrangeiros e tinham que ser sobre coisas com as quais eu não podia me identificar. Bem, as coisas mudaram quando eu descobri os livros africanos. Não havia muitos disponíveis e eles não eram tão fáceis de encontrar quanto os livros estrangeiros, mas devido a escritores como Chinua Achebe e Camara Laye eu passei por uma mudança mental em minha percepção daliteratura. Eu percebi que pessoas como eu, meninas com a pele da cor de chocolate, cujos cabelos crespos não poderiam formar rabos-de-cavalo, também podiam existir na literatura.

Eu comecei a escrever sobre coisas que eu reconhecia. Bem, eu amava aqueles livros americanos e britânicos que eu lia. Eles mexiam com a minha imaginação, me abriam novos mundos. Mas a consequência inesperada foi que eu não sabia que pessoas como eu podiam existir na literatura. Então o que a descoberta dos escritores africanos fez por mim foi: salvou me de ter uma única história sobre o que os livros são.
Eu venho de uma família nigeriana convencional, de classe média. Meu pai era professor.
Minha mãe, administradora. Então nós tínhamos como era normal, empregada doméstica, que
frequentemente vinha das aldeias rurais próximas. Então, quando eu fiz oito anos, arranjamos
um novo menino para a casa. Seu nome era Fide. A única coisa que minha mãe nos disse sobre ele foi que sua família era muito pobre. Minha mãe enviava inhames, arroz e nossas roupas
usadas para sua família. E quando eu não comia tudo no jantar, minha mãe dizia: "Termine sua comida! Você não sabe que pessoas como a família de Fide não tem nada?" Então eu sentia uma enorme pena da família de Fide.

Então, num sábado, nós fomos visitar a sua aldeia e sua mãe nos mostrou um cesto com um padrão lindo, feito de ráfia seca por seu irmão. Eu fiquei atônita! Nunca havia pensado que alguém em sua família pudesse realmente criar alguma coisa. Tudo que eu tinha ouvido sobre eles era como eram pobres, assim havia se tornado impossível pra mim vê-los como alguma coisa além de pobres. Sua pobreza era minha história única sobre eles.
Anos mais tarde, pensei nisso quando deixei a Nigéria para cursar universidade nos Estados
Unidos. Eu tinha 19 anos. Minha colega de quarto americana ficou chocada comigo. Ela
perguntou onde eu tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando eu disse
que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir o
que ela chamou de minha "música tribal" e, consequentemente, ficou muito desapontada
quando eu toquei minha fita da Mariah Carey. (Risos da plateia) Ela presumiu que eu não sabia como usar um fogão.

O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto. Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade. Minha colega de quarto tinha uma única história sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa única história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais complexos do que piedade.
Nenhuma possibilidade de uma conexão como humanos iguais.
Eu devo dizer que antes de ir para os Estados Unidos, eu não me identificava, conscientemente, como uma africana. Mas nos EUA, sempre que o tema África surgia, as pessoas recorriam a mim. Não importava que eu não soubesse nada sobre lugares como a Namíbia. Mas eu acabei por abraçar essa nova identidade. E, de muitas maneiras, agora eu penso em mim mesma como uma africana. Entretanto, ainda fico um pouco irritada quando se referem à África como um país. O exemplo mais recente foi meu maravilhoso voo de Lagos, dois dias atrás, não fosse um anúncio de um voo da Virgin sobre o trabalho de caridade na "Índia, África e outros países". (Risos da plateia)

Então, após ter passado vários anos nos EUA como uma africana, eu comecei a entender a reação de minha colega para comigo. Se eu não tivesse crescido na Nigéria e se tudo que eu conhecesse sobre a África viesse das imagens populares, eu também pensaria que a África fosse um lugar de lindas paisagens, lindos animais e pessoas incompreensíveis, lutando guerras sem sentido, morrendo de pobreza e AIDS, incapazes de falar por elas mesmas e esperando serem salvos por um estrangeiro branco e gentil. Eu veria os africanos do mesmo jeito que eu, quando criança, havia visto a família de Fide.
Eu acho que essa única história da África vem da literatura ocidental. Então, aqui temos uma citação de um mercador londrino chamado John Locke, que navegou até o oeste da África em 1561 e manteve um fascinante relato de sua viagem. Após referir-se aos negros africanos como "bestas que não tem casas", ele escreve: "Eles também são pessoas sem cabeças, que “têm sua boca e olhos em seus seios.” Eu rio toda vez que leio isso, e deve-se admirar a imaginação de John Locke. Mas o que é importante sobre sua escrita é que ela representa o início de uma tradição de contar histórias africanas no Ocidente. Uma tradição da África subsaariana como um lugar negativo, de diferenças, de escuridão, de pessoas que, nas palavras do maravilhoso poeta, Rudyard Kipling, são "metade demônio, metade criança".
E então eu comecei a perceber que minha colega de quarto americana deve ter, por toda sua
vida, visto e ouvido diferentes versões de uma única história. Como um professor, que uma vez
me disse que meu romance não era "autenticamente africano". Bem, eu estava
completamente disposta a afirmar que havia uma série de coisas erradas com o romance, que
ele havia falhado em vários lugares. Mas eu nunca teria imaginado que ele havia falhado em alcançar alguma coisa chamada autenticidade africana. Na verdade, eu não sabia o que era
"autenticidade africana". O professor me disse que minhas personagens pareciam-se muito com ele, um homem educado de classe média. Minhas personagens dirigiam carros, elas não
estavam famintas. Por isso elas não eram autenticamente africanas.

Mas eu devo rapidamente acrescentar que eu também sou culpada na questão da única história. Alguns anos atrás, eu visitei o México saindo dos EUA. O clima político nos EUA àquela época era tenso. E havia debates sobre imigração. E, como frequentemente acontece na
América, imigração tornou-se sinônimo de mexicanos. Havia histórias infindáveis de mexicanos como pessoas que estavam espoliando o sistema de saúde, passando às escondidas pela
fronteira, sendo presos na fronteira, esse tipo de coisa. Eu me lembro de andar no meu primeiro dia por Guadalajara, vendo as pessoas indo trabalhar, enrolando tortilhas no supermercado, fumando, rindo. Eu me lembro que meu primeiro sentimento foi surpresa. E então eu fiquei oprimida pela vergonha. Eu percebi que eu havia estado tão imersa na cobertura da mídia sobre os mexicanos que eles haviam se tornado uma coisa em minha mente: o imigrante abjeto. Eu tinha assimilado a única história sobre os mexicanos e eu não podia estar mais envergonhada de mim mesma. Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele e tornará.

É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é "nkali".
É um substantivo que livremente se traduz: "ser maior do que o outro". Como nossos mundos
econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do "nkali". Como é
contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente depende
do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a
história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que se você quer destituir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e começar com "em
segundo lugar". Comece uma história com as flechas dos nativos americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente diferente. Comece a história com o fracasso do estado africano e não com a criação colonial do estado africano e você tem uma
história totalmente diferente.

Recentemente, eu palestrei numa universidade onde um estudante me disse que era uma vergonha que homens nigerianos fossem agressores físicos como a personagem do pai no meu romance. Eu disse a ele que eu havia terminado de ler um romance chamado "Psicopata Americano" - (Risos da plateia) e que era uma grande pena que jovens americanos fossem assassinos em série. (Risos da plateia e aplausos) É óbvio que eu disse isso num leve ataque de irritação. (Risos da plateia)
Nunca havia me ocorrido pensar que só porque eu havia lido um romance no qual uma personagem era um assassino em série, que isso era, de alguma forma, representativo de todos os americanos. E agora, isso não é porque eu sou uma pessoa melhor do que aquele estudante, mas, devido ao poder cultural e econômico da América, eu tinha muitas histórias sobre a América. Eu havia lido Tyler, Updike, Steinbeck e Gaitskill. Eu não tinha uma única história sobre a América.

Quando eu soube, alguns anos atrás, que escritores deveriam ter tido infâncias realmente infelizes para ter sucesso, eu comecei a pensar sobre como eu poderia inventar coisas horríveis que meus pais teriam feito comigo. (Risos da plateia) Mas a verdade é que eu tive uma infância muito feliz, cheia de risos e amor, em uma família muito unida.
Mas também tive avós que morreram em campos de refugiados. Meu primo Polle morreu porque não teve assistência médica adequada. Um dos meus amigos mais próximos, Okoloma,
morreu num acidente aéreo porque nossos caminhões de bombeiros não tinham água. Eu cresci sob governos militares repressivos que desvalorizavam a educação, então, por vezes,
meus pais não recebiam seus salários. E então, ainda criança, eu vi a geleia desaparecer do café-da-manhã, depois a margarina desapareceu, depois o pão tornou- se muito caro, depois o
leite ficou racionado. E acima de tudo, um tipo de medo político normalizado invadiu nossas vidas. Todas essas histórias fazem de mim quem eu sou. Mas insistir somente nessas histórias negativas é superficializar minha experiência e negligenciar as muitas outras histórias que me formaram. A “única história cria estereótipos”. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem um história tornar-se a única história.

Claro, África é um continente repleto de catástrofes. Há as enormes, como as terríveis violações no Congo. E há as depressivas, como o fato de 5.000 pessoas candidatarem-se a uma vaga de emprego na Nigéria. Mas há outras histórias que não são sobre catástrofes. E é muito importante, é igualmente importante, falar sobre elas. Eu sempre achei que era impossível relacionar-me adequadamente com um lugar ou uma pessoa sem relacionar-me com todas as histórias daquele lugar ou pessoa. A consequência de uma única história é essa: ela rouba das pessoas sua dignidade. Faz o reconhecimento de nossa humanidade compartilhada difícil.
Enfatiza como nós somos diferentes ao invés de como somos semelhantes. E se antes de minha viagem ao México eu tivesse acompanhado os debates sobre imigração de ambos os lados, dos Estados Unidos e do México? E se minha mãe nos tivesse contado que a família de Fide era pobre E trabalhadora? E se nós tivéssemos uma rede televisiva africana que transmitisse diversas histórias africanas para todo o mundo? O que o escritor nigeriano Chinua Achebe chama "um equilíbrio de histórias."
E se minha colega de quarto soubesse do meu editor nigeriano, Mukta Bakaray, um homem notável que deixou seu trabalho em um banco para seguir seu sonho e começar uma editora?
Bem, a sabedoria popular era que nigerianos não gostam de literatura. Ele discordava. Ele sentiu que pessoas que podiam ler, leriam se a literatura se tornasse acessível e disponível para elas.
Logo após ele publicar meu primeiro romance, eu fui a uma estação de TV em Lagos para uma entrevista. E uma mulher que trabalhava lá como mensageira veio a mim e disse: "Eu realmente gostei do seu romance, mas não gostei do final. Agora você tem que escrever uma
sequência, e isso é o que vai acontecer..." (Risos da plateia) E continuou a me dizer o que escrever na sequência. Agora eu não estava apenas encantada, eu estava comovida. Ali estava
uma mulher, parte das massas comuns de nigerianos, que não se supunham ser leitores. Ela não só tinha lido o livro, mas ela havia se apossado dele e se sentia no direito de me dizer o que escrever na sequência.

Agora, e se minha colega de quarto soubesse de minha amiga Fumi Onda, uma mulher destemida que apresenta um show de TV em Lagos, e que está determinada a contar as histórias que nós preferimos esquecer? E se minha colega de quarto soubesse sobre a cirurgia cardíaca que foi realizada no hospital de Lagos na semana passada? E se minha colega de quarto soubesse sobre a música nigeriana contemporânea? Pessoas talentosas cantando em inglês e Pidgin, e Igbo e Yoruba e Ijo, misturando influências de Jay-Z a Fela, de Bob Marley a seus avós. E se minha colega de quarto soubesse sobre a advogada que recentemente foi ao tribunal na Nigéria para desafiar uma lei ridícula que exigia que as mulheres tivessem o consentimento de seus maridos antes de renovarem seus passaportes? E se minha colega de quarto soubesse sobre Nollywood, cheia de pessoas inovadoras fazendo filmes apesar de grandes questões técnicas? Filmes tão populares que são realmente os melhores exemplos de que nigerianos consomem o que produzem. E se minha colega de quarto soubesse da minha maravilhosamente ambiciosa trançadora de cabelos, que acabou de começar seu próprio negócio de vendas de extensões de cabelos? Ou sobre os milhões de outros nigerianos que começam negócios e às vezes fracassam, mas continuam a fomentar ambição?

Toda vez que estou em casa, sou confrontada com as fontes comuns de irritação da maioria dos nigerianos: nossa infraestrutura fracassada, nosso governo falho. Mas também pela incrível resistência do povo que prospera apesar do governo, ao invés de devido a ele. Eu ensino em workshops de escrita em Lagos todo verão. E é extraordinário pra mim ver quantas pessoas se inscrevem, quantas pessoas estão ansiosas por escrever, por contar histórias. Meu editor nigeriano e eu começamos uma ONG chamada Farafina Trust. E nós temos grandes sonhos de construir bibliotecas e recuperar bibliotecas que já existem e fornecer livros para escolas estaduais que não têm nada em suas bibliotecas, e também organizar muitos e muitos workshops, de leitura e escrita para todas as pessoas que estão ansiosas para contar nossas muitas histórias. Histórias importam. Muitas histórias importam. Histórias têm sido usadas para expropriar e tornar maligno. Mas histórias podem também ser usadas para capacitar e humanizar. Histórias podem destruir a dignidade de um povo, mas histórias também podem reparar essa dignidade perdida. A escritora americana Alice Walker escreveu isso sobre seus parentes do sul que haviam se mudado para o norte. Ela os apresentou a um livro sobre a vida sulista que eles tinham deixado para trás. "Eles sentaram-se em volta, lendo o livro por si próprios, ouvindo-me ler o livro e um tipo de paraíso foi reconquistado." Eu gostaria de finalizar com esse pensamento: Quando nós rejeitamos uma única história, quando percebemos que nunca há apenas uma história sobre nenhum lugar, nós reconquistamos um tipo de paraíso. Obrigada. (Aplausos).

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